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Técnico Pedro Martins ite vontade de trabalhar no Brasil e elogia Raphinha e Ederson

Pedro Martins está atualmente no Al-Gharafa
Pedro Martins está atualmente no Al-GharafaAFP
Em conversa com o Flashscore, o treinador Pedro Martins, do Al-Gharafa, do Catar, abordou a experiência no país árabe, a sua segunda no futebol estrangeiro. Martins assumiu o sonho de trabalhar no futebol brasileiro e inglês e falou do período em que comandou estrelas da Seleção como Raphinha e Ederson no futebol português.

Pedro Martins já leva uma extensa carreira de treinador, que conta com agens por Marítimo, Rio Ave e Vitória de Guimarães, onde conseguiu sempre qualificações para competições europeias. Em 2018, embarcou para a Grécia, onde foi tricampeão com o Olympiacos, na sua primeira experiência fora de Portugal.

Atualmente, ele está no Al-Gharafa, onde chegou em 2022 e ajudou a reabilitar um dos principais clubes do Catar, num campeonato que tenta emergir. Leia aqui a entrevista do treinador ao Flashscore, onde aborda o presente e os planos de futuro.

O que te levou ao Catar?

Várias coisas. Primeiro, queria experienciar uma nova realidade. Pensava que era importante para mim. Tinha saído de um clube e de um campeonato extremamente exigente e apareceu esta proposta, que resolvi aceitar.

Outra é o crescimento do futebol do Catar, uma liga gerida por um comitê, algo parecido com o que acontece na NBA. Achei interessante. E já que o futebol nos dá a oportunidade de conhecer outros locais, isso nos ajuda a ter crescimento pessoal. E também devo reconhecer que financeiramente é um projeto atrativo.

O Al-Gharafa já foi um grande clube do Catar, a por momentos difíceis, mas já renovaram seu contrato. Como está o trabalho por aí?

Eu cheguei há dois anos, na véspera da Copa do Mundo, com o campeonato já tendo ado da metade. Foi difícil no início, pela realidade que encontrei, muito diferente do que estava acostumado. No ano ado, as coisas correram muito bem, a diferença entre as equipes de topo que lutam pelo título e o Al-Gharafa foi diminuindo. Praticamente profissionalizamos todos os departamentos, a diretoria me deu carta branca e a equipe deu um salto qualitativo. Neste ano, a equipe demorou a se encontrar, mas estamos novamente na luta. Estamos lutando pelo título neste momento. Se não conseguirmos, é porque o início de temporada foi negativo e comprometeu. A equipe está bem, serena, faltam quatro jogos e tudo é possível. Ainda há a Emir Cup, que é tão importante quanto o campeonato e a Taça do Catar. Serão dois meses intensos, fortes e estamos na luta.

A atual classificação do Al-Gharafa
A atual classificação do Al-GharafaFlashscore

Depois da Copa de 2022, aí no Catar, as pessoas começaram a se interessar mais pelo futebol do país? A presença de Cristiano Ronaldo na região ajudou de alguma forma?

O efeito Cristiano Ronaldo é mais na Arábia Saudita. Ele desperta um impacto tremendo, tem uma dimensão mundial, galática. Acho que não há nenhum clube com uma imagem tão forte como ele.

Nesse aspecto, ele trouxe uma imagem abismal e fantástica para o mundo árabe. Em relação ao campeonato, temos de falar da realidade social, existem 3 milhões de habitantes, 15% são cataris, muito dos outros oriundos do Norte da África, mas também muitos da Ásia. 

No entanto, o futebol nesse aspecto cresceu muito. Em termos de torcedores que vão aos estádios, o Al-Gharafa aumentou exponencialmente, embora muito aquém do que queremos ter. Outro aspecto é que o jogo no Catar melhorou muito. Há bons treinadores, começaram a contratar jovens jogadores com transferências de impacto. Há jogadores que, com 28, 29 anos, estão chegando e ajudando no crescimento. Isso é evidente em termos físicos e de velocidade do jogo. Os clubes têm excelentes condições, contam com gramados de excelência. Um problema que está sendo superado é a profissionalização dos departamentos. Isso faz com que a liga seja muito mais competitiva.

O Al-Gharafa tem no plantel BrahimiRodrigo MorenoJoselu e Sergio Rico, jogadores com cartões de visita importantes. É bom conseguir recrutar este tipo de atletas?

Aliados a esses nomes, também contratamos o Seydou Sano, capitão do sub-20 do Senegal e campeão da Copa Africana nesta categoria, além do Fabrício Dias, campeão do mundo com o Uruguai sub-20. Há um investimento com jogadores com forte imagem no panorama mundial, mas também jovens com qualidade. Verratti e Draxler atuam na liga catari. Todas as equipes têm 3, 4 jogadores de grande nível, todas. Para se ter uma ideia, o Rúben Semedo fazia parte de uma equipe que acabou de ser rebaixada, dá para ver o nível de contratação que existe.

Por onde quer que tenha ado, você sempre levou jogadores portugueses, sobretudo no Olympiacos. É algo que ainda não foi possível por aí?

No Olympiacos, trabalhei com Rúben Semedo, José Sá, Pepê Rodrigues, Daniel Podence e Bruno Gaspar. Não é fácil, porque o mercado português é caro. Eu gostaria muito mas, por vezes, o fator financeiro não permite.

Você é conhecido por potencializar muito as qualidades dos jogadores. Vou citar os mais conhecidos, como Raphinha, no Vitória de Guimarães e o Ederson, no Rio Ave. Eram muito jovens, mas já dava para perceber o potencial?

Sim, notava-se que os dois eram jogadores jovens com muito talento, de qualidade e margem de progressão fantásticas. Se evoluíssem, podiam chegar a patamares superiores. Evidente que nunca imaginei que o Raphinha pudesse atingir um Barcelona, não porque não via qualidade para isso, mas era muito jovem. Ele fez uma temporada muito boa comigo no Vitória de Guimarães, no Sporting também e agora tem uma visibilidade maior e dizem que é a melhor temporada da sua carreira, mas só ele poderá dizer.

Está muito mais maduro, já era um finalizador nato, um atacante com essa particularidade, estava muito à frente e não perdia chances de marcar. Chegou do Brasil, muito jovem, teve de aprender os momentos e as fases para pressionar e pausar. O Ederson foi outro jogador que era evidente. Quando ele foi para o Rio Ave, fui buscar o Cássio por uma questão de experiência. Não porque não acreditava que ele não estava pronto, na qualidade e no valor, mas porque o Rio Ave ia ter jogos decisivos – Supertaça e Liga Europa – e era importante ter um jogador como o Cássio. Mas ados 3, 4 meses, fruto da qualidade, começou a jogar. É um goleiro muito forte no jogo aéreo e o jogo de pés é absolutamente fantástico. Era evidente que iam atingir patamares de alto nível. 

O Raphinha sempre teve aquele desejo de aprender e essa é uma característica que faz dele diferenciado. A estrutura familiar também faz toda a diferença, como são estes dois exemplos.

Eu tenho uma relação de muita proximidade com os jogadores. Embora não tenha conhecido os pais muito bem, notava-se que havia uma estrutura familiar muito forte e ele era ligado aos pais. E depois ele tinha uma fome de vencer no mundo do futebol e isso faz a diferença para chegar onde está. Foi um jogador que queria sempre ouvir, sempre muito atento às informações. Ele tinha talento, mas está onde está graças ao trabalho, dedicação e entrega. 

Pedro Martins lembra o trabalho com Raphinha
Flashscore

Você está surpreso com o trabalho de Nuno Espírito Santo no Nottingham Forest?

O Nuno tem feito uma temporada brilhante, mas não é só de agora. Foi campeão na Arábia (com o Al-Ittihad) há duas temporadas. Já no Wolverhampton, quando assumiu a equipe na Championship, subiu e manteve o clube. Fez bons trabalhos no Rio Ave. A temporada atual é brilhante em todos os níveis. A Premier League é um campeonato dos mais exigentes, o mais difícil, o mais extraordinário e o terceiro lugar do Nottingham é fantástico. Acho que nenhum treinador do mundo ia conseguir estes resultados.

O topo da Premier League
O topo da Premier LeagueFlashscore

O Marco Silva também está muito bem no Fulham, o Ruben foi para Manchester depois de fazer um bom trabalho no Sporting…

Vi o Marco Silva há poucos dias no fórum da Associação Nacional de Treinadores, ele está há oito anos na Inglaterra, portanto já não precisa de consolidação, porque os trabalhos dele falam por si só. Tantos anos num clube como o Fulham mostram que é um treinador estável, que sabe o que está a fazer, as pessoas acreditam. O Ruben Amorim tem sido mais difícil, entrou no meio da temporada, em um clube com enorme exigência e provavelmente um plantel que não está à altura de uma equipe que quer ser campeã.

Vai ter de sofrer este ano, preparar a equipe, para construir uma nova, na temporada seguinte, com o seu modelo, com jogadores com a sua identidade. No Sporting foi brilhante, na Inglaterra, fruto do que disse antes, precisa de mais tempo. Não podemos esquecer o Vítor Pereira, que chegou ao Wolverhampton numa situação difícil e já está a nove pontos do Z3. O Vítor Pereira chegou ao Wolves e a equipe deu um salto qualitativo. É uma demonstração da qualidade dele. É brilhante, não fica atrás do que o Nuno está fazendo. 

Você fala com paixão da Premier League. É um desafio que gostaria de ter no futuro?

Sim, a Premier League ou o Championship, em um time que tenha condições de subir. Porque não? É o maior espetáculo do mundo.

Você é um treinador de projeto, acha que se encaixaria bem por lá?

Não tenho dúvidas. Eu estou disponível e preparado para qualquer circunstância. Já treinei equipes para não descer, para brigar por competições europeias, com grandes problemas financeiros, outras sem esses problemas. Já treinei equipes onde a exigência social não era tão grande, em outra era máxima. Isso dá garantias que estou preparado para qualquer equipe do mundo.

Nesta altura, também temos treinadores portugueses no Brasil, que é um mercado enorme. Muitas vezes, os clubes querem resultados imediatos, sem pensar muito no que é preciso construir. É algo que lhe atrai?

Eu conheço o futebol brasileiro há muitos anos. Desde que trabalhei na Liga Portugal, tinha uma base de dados com gente no Brasil muito forte. Conheço bem desde a Série A, à Série B, aos Estaduais. O Brasil tem jogadores com tanta qualidade que, de um momento para o outro, estão a jogar num nível superior. 

É isso é cativante. Muitos deles não vão chegar a um grande nível, mas estão num patamar muito forte em termos técnicos. É um campeonato fantástico, que gostaria de trabalhar no futuro. Tenho recebido muitos convites do Brasil, as coisas ainda não se proporcionaram, mas gostaria de experimentar o grande contingente de jogadores tão talentosos que têm.

Mas para um clube com projeto para ganhar e desenvolver todo esse talento…

Não vou falar em nomes, seria deselegante, mas houve projetos em que não tive possibilidades de ir porque, de fato, não era algo atrativo. Estava em um projeto interessante e não queria abandonar. O projeto tem de ser muito bem pensado, com clubes que me deem condições para lutar. 

Pedro Martins fala sobre o Brasil
Flashscore

Tudo isso prova que o fato de que estar no Catar não o deixa escondido do mundo do futebol.

Sim, o futebol é universal. Não queria falar em tabu, mas esse era o senso comum há meia dúzia de anos, e mudou. As pessoas não podem pensar que o fato de estarmos no Oriente Médio é o final de carreira. É só mais um o. Posso dar inúmeros exemplos, o Xavi Hernández estava no Al-Sadd e foi para o Barcelona. O Luís Castro estava no Al-Duhail e foi para o Botafogo. O Artur Jorge estava no Botafogo e veio para o Catar (Al-Rayyan).

Portanto, o mercado é este, tem esta dimensão. Vamos ter o Mundial de Clubes, mais gente inserida dos campeonatos da Europa com Ásia, África, os americanos. Está tudo ligado. Quando for para o Brasil, vou crescer no futebol brasileiro de forma diferente. Não estou arrependido, estamos todos ligados neste mundo que é tão pequeno e toda a gente conhece o nosso trabalho.

Essa frase, quando for para o Brasil, é mesmo uma vontade férrea…

Não, mas penso que vai acontecer, mais tarde ou mais cedo. Nunca sabemos o dia de amanhã, mas acredito que vá acontecer. Como acredito que vá acontecer na Inglaterra.

Pedro Martins em conversa com o Flashscore
Pedro Martins em conversa com o FlashscoreOpta by Stats Perform, AFP

Por falar no Mundial de Clubes, há uma sobrecarga imensa de jogos, há protestos dos jogadores e treinadores, cada vez mais lesões. Qual o rumo que você vê dentro do futebol profissional?

Ainda precisamos dar um salto qualitativo no futebol. Têm sido muitos jogos, as competições são muitas a nível de clubes e de seleções. Os jogadores não têm espaço, nem tempo para recuperar, nem espaço para ter férias normais que um cidadão necessita. Está intimamente ligado a relação do esforço com as lesões que são maiores e mais graves. Os números, em termos financeiros, atingiram outros valores porque as competições estão a aumentar e os clubes a reter mais dinheiro. Há um meio termo que vamos ter de trabalhar, talvez determinados clubes vão precisar abdicar de algumas competições.

Tanto jogo traz um problema com a qualidade, porque há jogadores desgastados. Contra a Dinamarca, vi jogadores portugueses que uma semana antes tinham sido extraordinários na Champions e depois não foram os mesmos com Portugal. Os plantéis vão ser maiores. Há muitas lesões que podem ser prevenidas se houver um bom trabalho e o futebol ainda tem muito caminho pela frente nesse aspecto. Para isso, é preciso mais gente a trabalhar conosco, de forma que os atletas não tenham lesões tão grandes, buscando um equilíbrio nas competições.

Mas para os treinadores também se torna complicado porque é recuperar e jogar, há pouco espaço para treinar as ideias do técnico.

Cada vez menos. No Catar, não tenho esse problema, porque a competição é mais curta. Mas, no Olympiacos era treinar, recuperar e jogar. Daí a importância da pré-temporada. Vão ser necessários mais técnicos especializados para cada setor e volto a dizer, o futebol precisa dar um salto qualitativo em termos de força. O que fazemos é estandardizado, prevenção de uma maneira geral para 30 jogadores e tem de ser específica. E isso só com mais gente.